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Mercado de crédito de carbono entra na mira de empresas

por Massfix, 2 de setembro de 2020

Natura já considera emissões ao definir custo de novos produtos, enquanto Shell cria área para calcular créditos para compensação

(Imagem: Reprodução)

 

Fonte: Estadão

A negociação de direitos de emissão de carbono, com compra e venda de títulos financeiros em uma espécie de “mercado verde”, ainda parece algo de um futuro distante no Brasil, porém algumas grandes empresas já começaram a calcular internamente o “preço” de liberar gases do efeito estufa. O objetivo é sair na frente de uma tendência que parece irreversível, a taxação sobre as emissões, e se preparar para o mercado global previsto no Acordo de Paris, de 2015. Assim que for executado na prática, o sistema internacional poderá render bilhões para países que consigam ir além de suas metas de redução da poluição, e o Brasil é candidato a sair ganhando.

Os líderes do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que reúne os maiores grupos empresariais do País, estimam que os “créditos de carbono” vindos da preservação da Amazônia poderiam render uma quantia de US$ 10 bilhões anuais para o Brasil.

Sem medir valores, o estudo recente da petroleira Shell calculou que o Brasil teria capacidade de absorver da atmosfera cerca de 2,7 bilhões de toneladas de gases anualmente, de acordo com a companhia, para conter o aquecimento global é preciso cortar a emissão de 11 bilhões de toneladas por ano. Para o país sair ganhando com isso, o sistema internacional de “compra e venda” de emissões previsto no Acordo de Paris necessita de avanço, entretanto as discussões congelaram por falta de um acordo geral.

Ações de governos

Enquanto as negociações não progridem, alguns locais vêm avançando na taxação do carbono como estratégia para controlar as emissões, principalmente na indústria, nos transportes e na geração de energia. Em 46 países e 28 governos subnacionais há alguma forma de cobrança, de acordo com um relatório do CEBDS. Alguns governos escolheram pela saída simples de criar um tributo sobre emissões. Ao passo que outros preferiram limitar a poluição, criando mercados locais de direitos de emissão dos quais participam as empresas poluentes. Os casos mais famosos são o da União Europeia (EU) e o da Califórnia, mais rico e populoso Estado norte-americano.

No Brasil, o CEBDS tem defendido essa segunda opção, ao estilo da UE e da Califórnia. O Ministério da Economia trabalha no assunto e deverá apresentar até o fim deste ano as diretrizes técnicas para criar um mercado nacional, mesmo que ainda hajam dúvidas sobre o espaço para o tema ir adiante na agenda ambiental do governo, que é frequentemente criticada pelas decisões sobre o desmatamento da Amazônia. Um mercado brasileiro provavelmente seria pequeno, já que praticamente a metade dos gases eliminados por aqui está associada ao desmatamento, enquanto a cobrança sobre o carbono é considerada eficiente para segurar a poluição de fábricas e usinas de energia. A lógica de cobrar por emissões é incentivar as atividades menos poluentes e reduzir as mais poluentes ou, ao menos, incentivá-las a reduzirem suas emissões através dos preços das taxas.

O desmatamento reage menos a incentivos de preço, já que é em grande parte ilegal e não agrega valor econômico. Mesmo que seja difícil politicamente, acabar com a derrubada das florestas teria pouco custo para a atividade econômica, disse o especialista em economia do meio ambiente e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Ronaldo Seroa da Motta. Quando o Brasil conseguir resolver o desmatamento, as atenções deverão se voltar para as emissões da indústria.

Setor privado

Atuar em um mercado local deixaria o setor privado brasileiro preparado para participar de transações internacionais, quando forem regulamentadas. Além disso, do ponto de vista da grande indústria, o jogo é global. Com a cobrança pelas emissões se espalhando mundo afora, controlar o impacto ambiental e calcular o custo da poluição será importante tanto para atrair investidores em ações e títulos de dívida, quanto para exportação. Deverá ser um fator de competitividade nos anos de retomada da economia após a recessão provocada pela covid-19.

As empresas que saíram na frente focam na redução de suas emissões e na compensação da poluição, investindo em projetos sustentáveis. Um exemplo é a Natura & Co. que colocou como meta interna chegar a 2030 com zero de emissões líquidas em todo o grupo, que inclui as marcas Avon, The Body Shop e a australiana Aesop. A divisão Natura já faz isso atualmente. De 2007 a 2018, foram compensadas 3,6 milhões de toneladas de gases, gerando R$ 1,6 bilhão. Em 2019, só a divisão Natura investiu R$ 33,5 milhões nas comunidades impactadas, incluindo 38 projetos que geraram créditos de carbono.

De acordo com a diretora global de Sustentabilidade da Natura & Co., Denise Hills,  há uma busca contínua por materiais de menor impacto, como plástico reciclável ou biodegradável nas embalagens, e uma produção mais eficiente nos processos internos. Os projetos de desenvolvimento de produtos são selecionados num método de cálculo interno, que já incluem as emissões nos custos de produção.

A Natura também instalou painéis solares para geração de eletricidade na fábrica de Cajamar (SP), o consumo de energia elétrica é um dos fatores que tem maior “pegada ambiental” dos processos internos, contudo, os painéis abastecem apenas áreas administrativas.

O desafio de reduzir as emissões é maior nas atividades industriais que mais poluem, como química e petroquímica, fabricação de cimento, petróleo e gás, e a siderurgia, mas as empresas se movimentam mesmo assim.

A subsidiária da Shell no Brasil criou uma área para calcular em “créditos de carbono” as ações de reflorestamento, apoio a projetos que evitem o desmatamento ou restauração de áreas degradadas pela pecuária. Sozinha, a indústria de petróleo e gás respondeu por 3,9% das emissões globais em 2016, conforme dados apresentados pela entidade ambientalista americana Instituto de Recursos do Mundo (WRI, na sigla em inglês).

Na indústria do cimento, que contribui com 3% nas emissões globais, ainda de acordo com os dados do WRI, além da compensação com o financiamento de projetos sustentáveis, a luta é por combustíveis alternativos, visto que o foco das emissões são os fornos que usam coque de petróleo para transformar calcário e argila em cimento, contou o coordenador de Sustentabilidade da Votorantim Cimentos, Fábio Cirilo.

Por isso, a Votorantim, com fábricas em 11 países, investe em combustíveis alternativos ao coque. O destaque são resíduos sólidos, especialmente pneus e lixo urbano não reciclável (biomassa) que varia conforme o local, como caroço de açaí e cavaco de madeira, no Brasil, ou caroço de azeitona, na Espanha. Nas fábricas do Brasil, 29% do combustível vêm de fontes alternativas. Globalmente, a fatia subiu para 22% em 2019 dos 18,5% registrados em 2018.

De acordo com Cirilo, a companhia já inclui nas avaliações de projetos de investimento cálculos internos sobre o custo de emissões, porque é impossível escapar da meta de zerar as emissões nas próximas décadas.

“Esse cenário vai acontecer. Por mais que existam barreiras, não chegar a zero tem um impacto muito grande, não só ambiental, mas econômico. Os grandes investidores do mundo começaram a perceber que não estamos falando de uma agenda de risco só ambiental”, afirma Cirilo.

Desde que a B3, dona da Bolsa, abriu sua plataforma para a negociação de “títulos verdes”, a pressão de investidores financeiros vem crescendo. Em novembro de 2018, 11 empresas levantaram R$ 3,6 bilhões. Segundo Cirilo, o posicionamento da Votorantim contou na hora de contratar, ano passado, um “empréstimo ligado à sustentabilidade”, de US$ 290 milhões, com um sindicato de bancos. Nesse tipo de operação, o juro cai se o cliente atingir as metas estabelecidas de redução de emissões.

O foco na sustentabilidade também pesou nas operações financeiras recentes da Irani Papel & Embalagem, conforme Leandro Farina, gerente de Sustentabilidade da empresa. Ano passado, a Irani levantou R$ 580 milhões com a emissão de “títulos verdes” (títulos de dívida corporativa que, de forma certificada, custeiam gastos em atividades sustentáveis) e, em julho passado, mais R$ 405 milhões com o lançamento de novas ações na Bolsa.

No caso, ser um dos setores mais competitivos da indústria nacional ajuda, já que a fabricação de papel e celulose responde por 0,6% das emissões globais,segundo os dados do WRI. Por um lado, o reaproveitamento de matérias-primas, como sobras de madeira (tanto no processo produtivo quanto na geração de eletricidade em usinas de biomassa), reduz as emissões. Por outro, o cultivo das árvores para extrair a celulose captura carbono da atmosfera. A Irani, que mapeia emissões e neutralizações desde 2005, tem um saldo positivo entre emissão e captura. Para Farina, a precificação das emissões é um “caminho sem volta” e empresas como a Irani saem na frente.

Ceticismo

O professor Carlos Eduardo Young, do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Gema) da UFRJ é mais pessimista e vê as ações iniciais de algumas empresas como pontuais, focadas apenas em melhorar a imagem corporativa ou em atender demandas de nichos de consumo (caso dos cosméticos) e pressões de poucos investidores. Mesmo assim, as emissões do Brasil seguem elevadas por causa do desmatamento e de indústrias intermediárias poluentes, como siderurgia, mineração, petróleo e gás. O país é dono do sétimo lugar na lista dos que mais poluem.

Para o professor, somente a ação regulatória do Estado terá efeito, a exemplo das cobranças por emissões realizadas na Europa e na Califórnia. Ele afirma que o problema é que a agenda do governo Jair Bolsonaro, tanto nas negociações do Acordo de Paris quanto na política ambiental nacional, está voltada para reduzir a regulação do Estado e a fiscalização contra crimes ambientais. O assunto também não aparenta ser prioridade na sociedade. Sendo assim, avanços no exterior (principalmente se o Partido Democrata vencer as eleições presidenciais nos Estados Unidos ) podem demorar a chegar aqui.

“Essa economia do baixo carbono é do século 21, mas o problema é que, no Brasil, estamos voltando para uma economia pré-industrial”, afirmou Young.